Comentário

Os valores da União Europeia:<br>da propaganda à realidade.

Miguel Viegas

As­sis­timos por estes dias a mais uma gi­gan­tesca ope­ração de mar­ke­ting da União Eu­ro­peia. Tendo como pano de fundo as co­me­mo­ra­ções dos 60 anos da as­si­na­tura do Tra­tado de Roma, não há ne­nhum meio de co­mu­ni­cação so­cial que não seja uti­li­zado para di­fundir os va­lores hu­ma­nistas da União Eu­ro­peia e o seu papel como bas­tião da de­mo­cracia, da li­ber­dade, da paz e do de­sen­vol­vi­mento. Em tempo de guerra não se limpam armas, já dizia a minha Tia Jo­a­quina.

Porém, a re­a­li­dade está aí, in­có­moda e dis­so­nante. A his­tória de Ibrahima Kaba me­rece ser aqui con­tada porque ela re­pre­senta a ex­pressão con­creta das po­lí­ticas da União Eu­ro­peia. Ibrahima Kaba nasceu na Guiné Co­nacri. Cedo ficou órfão de pai, per­dendo mais tarde a sua mãe, apa­nhada na epi­demia do Ébola. Fu­gindo de um mais que certo fu­turo de mi­séria, de­cide com um amigo, tentar a sua sorte na Eu­ropa. Co­meça então uma longa e do­lo­rosa epo­peia que os leva a atra­vessar o Mali, a Ni­géria e a Líbia. «Foram se­manas de so­fri­mento» conta Ibrahima, «atra­ves­sámos o de­serto numa pick-up, quando as pes­soas caíam o mo­to­rista não pa­rava. Muitas pes­soas per­deram a vida». Na Líbia, o seu com­pa­nheiro de vi­agem é atin­gido num braço por uma bala. Che­gados à costa do Me­di­ter­râneo, con­se­guem, através de um pas­sador, em­barcar numa frágil em­bar­cação. Dois dias de­pois atinge a costa de Itália onde perde o rasto do seu amigo e de­cide pros­se­guir ca­minho até Mar­selha onde chega fi­nal­mente, em Se­tembro de 2016, com­ple­tando uma vi­agem de meses onde en­frentou a fome, a sede e a guerra.

Mas este não po­deria ser um final feliz, nesta União Eu­ro­peia, ale­ga­da­mente tão de­mo­crá­tica e tão so­li­dária. Sem fa­mília ou se­quer co­nhe­cidos, Ibrahima de­cide bater à porta da es­cola se­cun­dária Saint-Exu­péry, onde a di­recção, sur­pre­en­dida com o seu nível de francês, de­cide in­tegrá-lo numa turma es­pe­ci­a­li­zada. A vida pa­recia co­meçar fi­nal­mente a sorrir. Em Ou­tubro, de­po­sita o seu pe­dido de asilo. Novo in­ferno. O re­gu­la­mento de Du­blin da União Eu­ro­peia de­ter­mina que o pe­dido de asilo só pode ser feito no país onde o mi­grante entra na União Eu­ro­peia, neste caso, em Itália. Este é aliás o factor que ali­menta, como o PCP já de­nun­ciou por di­versas vezes no Par­la­mento Eu­ropeu, as redes clan­des­tinas e o trá­fico de seres hu­manos, porque os re­fu­gi­ados não querem ficar meses ou anos à es­pera, fe­chados em campos de con­cen­tração em Itália ou na Grécia, ar­ris­cando-se a serem de­vol­vidos à pro­ce­dência. Na sequência do pe­dido de asilo, vem então a ordem de ex­pulsão para Itália. Ibrahima é preso à saída do al­bergue onde re­side e le­vado à força para o ae­ro­porto onde se re­cusa em­barcar, vol­tando à prisão onde per­ma­nece du­rante vá­rias se­manas.

Este epi­sódio, para além de re­velar acima de tudo a com­pleta de­su­ma­ni­dade da UE e dos seus re­gu­la­mentos, expõe também o com­por­ta­mento ab­so­lu­ta­mente ver­go­nhoso da au­tar­quia fas­cista de Mar­selha, hoje nas mãos da Frente Na­ci­onal de Ma­rine Le Pen, que tudo fez para con­cre­tizar a ex­pulsão. Mas prova mais uma vez que vale sempre a pena lutar. Com efeito, de­pois de um amplo mo­vi­mento de so­li­da­ri­e­dade, Ibrahima acabou por ser li­ber­tado na se­mana pas­sada. Porém, con­tinua na con­dição de fo­ra­gido de um centro de aco­lhi­mento de Itália, e ame­a­çado de ex­pulsão, man­tendo-se a luta pelo seu di­reito a ficar em França e aí de­po­sitar o seu pe­dido de asilo!




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